Schäuble em entrevista: "Não existe qualquer supremacia alemã"

A crítica ao papel da Alemanha nas recentes negociações sobre o futuro da Grécia tem sido feroz. A "Spiegel" falou com o ministro das Finanças Wolfgang Schäuble. Leia a entrevista no DN.
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Senhor ministro, o senhor tem uma conta privada no Twitter?

Não. Em regra, as mensagens do Twitter têm vida curta, razão pela qual as acho desinteressantes.

No entanto, ultimamente, os utilizadores do Twitter têm estado extremamente interessados em si. Na semana passada, o senhor estava entre os mais mencionados no Twitter. Dezenas de milhares de pessoas acusaram--no de ter organizado um golpe contra a democracia grega com o novo programa de resgate. Sente-se magoado com essas acusações?

Reagi com muita calma. A minha caixa de e-mail ficou também completamente cheia e 90% das mensagens eram expressões de opinião que me apoiavam. Nunca tinha experimentado uma tal onda de concordância. Ainda assim, quando se trata de Grécia, há questões altamente complexas para as quais não há respostas simples.

A Europa pretende resolver o problema com um novo pacote de empréstimos no valor de mais de 80 mil milhões de euros. Será essa a resposta certa?

Há meio ano, a Grécia estava a preparar-se para regressar aos mercados de capitais. Hoje, a economia do país está em ruínas. Isso é responsabilidade do governo grego. Mas não podemos abandonar o povo da Grécia. É por isso que era necessário um novo programa, mesmo que tal signifique novas dificuldades para a população. Porém, mais do que qualquer outra, a pergunta é: terá sido a melhor solução para a Europa?

O economista americano Paul Krugman tem uma posição clara sobre isso. Ele escreveu recentemente numa coluna no The New York Times que o novo programa de ajuda à Grécia é "pura vingança" e uma "completa destruição da soberania nacional". O senhor partilha a opinião dele?

Krugman é um economista proeminente que ganhou um Prémio Nobel pela sua teoria do comércio. Mas ele não sabe nada sobre a arquitetura e o fundamento da união monetária europeia. Ao contrário dos Estados Unidos, não há um governo central na Europa e todos os 19 membros da zona euro devem chegar a um acordo. Parece que o senhor Krugman não tem conhecimento disso.

Durante as negociações do passado fim de semana apareceu um documento vindo do seu ministério a propor que a Grécia deixe a zona euro por um período limitado de tempo. O que é que esperava conseguir com esta proposta?

Nós nunca dissemos que a Grécia deve sair da zona euro. Apenas chamámos a atenção para a possibilidade de a própria Atenas poder decidir um afastamento temporário. O alívio da dívida não é possível dentro da união monetária. Os tratados europeus não o permitem.

Os governos da França e da Itália parecem ter uma opinião diferente. Eles criticaram duramente a sua proposta, porque querem manter a Grécia na zona euro a todo o custo. Terá o senhor ido demasiado longe?

O seu retrato não é consistente com os factos. Até o meu colega italiano Pier Carlo Padoan admitiu: nas reuniões decisivas, 15 membros da zona euro apoiaram a posição alemã. Só França, Itália e Chipre tinham uma opinião diferente.

Itália e França, no entanto, são membros fundadores da União Europeia. A Alemanha não deveria dar uma atenção particular à prossecução de uma posição comum com esses países?

Não é invulgar as posições da França e da Alemanha não serem completamente similares. Por vezes, também se dá o caso de a minha mulher e eu não sermos inteiramente da mesma opinião. Nós nem sequer estamos casados com a França, mas a Alemanha e a França, no entanto, superaram as suas diferenças no final. Sem a Alemanha e a França, a coisa não funciona. Isso é o que importa.

O governo de coligação da chanceler Angela Merkel também teve algumas dificuldades para superar as suas diferenças. O senhor disse que o seu documento teve a anuência dos sociais-democratas [SPD], o parceiro de centro-esquerda da coligação de Merkel. Mas o líder do SPD, Sigmar Gabriel, afirma que foi informado da proposta, mas que não concordou com ela. Quem está certo?

O incidente foi suficientemente esclarecido. Mas vou acrescentar o seguinte: cada partido tem os seus próprios problemas. E num governo de coligação temos de mostrar consideração para com o outro. Não se deve tentar resolver os seus próprios problemas fazendo acusações inexatas contra os outros.

A Alemanha assumiu um papel de liderança nas negociações com a Grécia - e adotou um "tom muito paternalista", como lamentou o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz. Preocupa-o que as pessoas em toda a Europa estejam a falar de uma "nova dominação alemã"?

Não há qualquer supremacia alemã. A Alemanha está numa boa posição económica, isso é inegável. Mas, ao contrário da França e da Grã-Bretanha, a Alemanha não é um membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Só por essa razão já não se pode dizer que esteja numa posição de supremacia política. Contudo, o equilíbrio na Europa mudou desde a queda da Cortina de Ferro. Os países bálticos, a Eslováquia e a Eslovénia agora também falam quando não gostam das posições tomadas por outros.

Ou seja, quer dizer que há uma nova divisão na zona euro - entre o Norte e o Sul.

Isso não é assim. O que é importante é o facto de que muitos países do euro já deixaram o programa de ajuda de emergência e têm tido um desenvolvimento económico positivo: Portugal, Irlanda, Espanha, até Chipre. Mesmo a Grécia ganhou força no final do ano passado, assim podemos hoje dizer com verdade: estabilizámos com sucesso a zona euro.

O novo programa para a Grécia obriga a que o governo de Atenas aceda às exigências dos seus credores até à última vírgula nos próximos anos e que seja cuidadosamente monitorizado a partir do estrangeiro. A Grécia está a tornar-se um protetorado da zona euro?

Não. A maioria dos elementos do novo programa foi acordada já em 2010. Eles simplesmente nunca foram implementados, infelizmente. Até agora, a economia e a sociedade gregas pouco se têm desenvolvido na direção desejada. No entanto, o que mudou drasticamente desde o início do ano foi a necessidade de financiamento adicional. De acordo com as estimativas mais conservadoras, essa necessidade é agora de pelo menos 80 mil milhões de euros. Para muitas pessoas, essa é uma quantia inimaginável.

Cerca de 50 mil milhões virão supostamente através da privatização dos ativos detidos pelo Estado grego, por meio de um fundo fiduciário que será supervisionado pela zona euro. Muitas pessoas na Grécia veem isso como mais uma tentativa de transformar o país numa espécie de colónia.

Isso é um disparate. A ideia era a de encontrar alguma maneira de estabelecer uma ampla base para o financiamento de um programa futuro. Quando conversámos sobre isso na noite de domingo, eu disse ao ministro das Finanças grego Euclid Tsakalotos: a ideia não é prejudicar-vos, mas sim arrecadar os meios financeiros necessários. Caso contrário, o peso da dívida é insustentável. E sem isso, não vai funcionar.

O antecessor de Tsakalotos, o enigmático professor de Economia Yanis Varoufakis, tinha uma teoria diferente. Ele declarou que há meses que o senhor queria empurrar a Grécia para fora da zona euro, de modo a dar o exemplo. Há alguma verdade nisso?

Não. Mas eu não posso focar-me simplesmente em conseguir alguma coisa apenas numa noite de negociações. Também não é suficiente ultrapassar as próximas seis semanas. A verdadeira questão é: como posso encontrar uma solução que seja sustentável a longo prazo. Temos de proteger e solidificar ainda mais os alicerces da união monetária. A minha avó costumava dizer: a benevolência vem antes da devassidão. Há um tipo de generosidade que pode originar rapidamente o oposto daquilo que se pretende.

Durante as negociações, parecia que o senhor era o pai rigoroso a tentar chamar as crianças mimadas à razão.

É uma questão de equilíbrio. Em casa, nós éramos três irmãos e, quando nós lutávamos, o meu pai dizia sempre que o mais forte devia recuar. E foi o que aconteceu nas negociações da Grécia. O que está em melhor posição deve tentar ajudar o mais fraco. Eu tentei fazer isso.

A nossa impressão foi mais a de que o senhor estava a negociar incansavelmente cada detalhe.

As capacidades de qualquer pessoa têm os seus limites, mas temos de tentar fazer o nosso melhor. Temos de estar cientes disso para conseguirmos atingir o grau de compostura necessário. Como vê, eu estou perto de chegar ao ponto em que fico mais suave com a idade.

Um programa de trabalho em que o primeiro-ministro Alexis Tsipras diz que não acredita poderá funcionar?

A questão é essa. Anteriormente, Tsipras rejeitou um programa similar e, em seguida, fez campanha por um "não" no referendo, uma posição apoiada por uma grande maioria. Agora ele quer fazer o oposto do que queria anteriormente. É claro que podemos ficar duvidosos. Mas, por agora, eu confio nas garantias do senhor Tsipras, como é justo. Ele prometeu implementar o programa apesar de não acreditar nele. Portanto, vamos ver.

O novo programa endureceu as condições. As pensões devem ser revistas, os impostos aumentados e o mercado de trabalho liberalizado. Porque é que acha que o medicamento que não resultou durante cinco anos irá agora ajudar subitamente?

O problema é que durante os últimos cinco anos o medicamento não foi tomado como prescrito. É por isso que é importante que essas medidas acordadas há muito tempo sejam agora implementadas. Em dezembro, a troika deixou claro que a Grécia ainda não abordou 15 reformas importantes. Isso tem de mudar finalmente.

Será que não acredita verdadeiramente que as reformas vão ser implementadas?

Não, se assim fosse não teríamos de ter viajado para Bruxelas. Mas é exatamente essa a razão pela qual nós precisamos desses controlos a respeito dos quais vocês disseram anteriormente que iriam fazer que fôssemos paternalistas para com o povo grego.

É mais uma questão de se as reformas não serão de mais para o país. A economia cedeu, o desemprego está em 25% e o sistema de saúde está a aproximar--se do colapso. O país não pode dar o que lhe está a ser exigido?

Eu vejo as coisas de forma diferente. Em 2009, a Grécia teve um défice orçamental de 15% e um défice da balança corrente da mesma magnitude. Ambos os indicadores mostram que o país estava a viver acima das suas possibilidades e que havia uma necessidade significativa de reformas. A Grécia ainda está a pagar uma administração pública que está entre os líderes na Europa em termos do rácio do seu custo para a produção económica. O país tem despesas com pensões que estão muito acima dos padrões europeus. Tudo isso tem de ser abordado, passo a passo. E, a propósito, o programa funcionou em todos os países em crise, apenas não funcionou na Grécia.

Contudo, Irlanda, Espanha e Portugal, todos sofreram. E Chipre ainda está a sofrer.

Eu não estou a afirmar que tudo é fácil, mas tem de se começar com a reestruturação e levá-la até ao fim. Esses países fizeram isso. Desde a década de 1990, os países bálticos e os países da Europa Central também foram bastante bem-sucedidos. Nós, na zona euro, estamos num verdadeiro caminho para o sucesso e muito mais sustentável do que, por exemplo, o de muitas economias em desenvolvimento. O processo de tomada de decisões na Europa é muito mais complicado do que em qualquer Estado-nação, no entanto, a zona euro - com exceção da Grécia - está em muito melhor forma do que muitos países que, por vezes, torcem o nariz a nosso respeito.

Não é verdade que o euro, tal como está atualmente formatado, divide mais a Europa do que a une?

Não, isso não é verdade. O que ele faz, no entanto, é mostrar que a unidade europeia nunca é fácil. É verdade que a Europa é pesada, burocrática e complicada. Eu ouço isso o tempo todo, especialmente na América. Respondo perguntando aos críticos se eles têm uma ideia melhor para reunir 28 países que lutaram uns contra os outros durante séculos. Mas eles nunca têm uma resposta para me dar.

Dados os problemas que têm atormentado a aplicação das reformas na Grécia, o senhor acha que um grexit continua a ser uma possibilidade?

Werner Faymann, o chanceler austríaco, disse que poderia acontecer a qualquer momento.

Nós queremos saber o que o senhor pensa.

[risos] Tudo o que é necessário dizer sobre isso também já foi dito.

O debate sobre o peso da dívida da Grécia já dura há cinco anos. Mas os decisores políticos parecem não ter dado um único passo que se aproxime de uma solução. Que conclusões tira disso?

Temos de ampliar as competências da união económica e monetária. Os cinco presidentes das instituições europeias apresentaram recentemente as suas propostas. Nos próximos meses, elas irão fornecer uma base para discutir o que pode ser feito para tornar a zona euro mais estável.

Quais são exatamente as suas perspetivas?

Nós temos de gerar mais fé no euro novamente, não apenas nos mercados financeiros, mas também entre a população. Temos também de reforçar os regulamentos relativos a finanças estatais saudáveis e garantir que eles sejam cumpridos. Para o fazer teremos de mudar os tratados europeus a médio prazo, o que é difícil. Muitos evitam fazê-lo, porque têm medo de que novos passos em direção à integração sejam rejeitados pelos seus povos ou Parlamentos.

O que é que é tão complicado, exatamente?

Atualmente estamos a ver que uma união monetária sem uma união política não pode funcionar sem complicações. Portanto, temos de avançar para o estabelecimento de uma união política, por exemplo, através do reforço da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu. Mas isso significa que os Estados membros devem abdicar de ainda mais soberania. Eles já deram esse passo no que respeita à política monetária, mas estarão também preparados para transferir competências de política financeira, por exemplo, para o nível europeu? Muitos têm problemas com isso.

O presidente francês, François Hollande, propôs a nomeação de um ministro das Finanças da zona euro, colocando-o sob a supervisão de um órgão parlamentar da zona euro.

Eu também sou a favor de um ministro das Finanças da zona euro, mas para nomear um, os tratados europeus têm de ser alterados primeiro. Tive o prazer de ouvir do presidente Hollande que a França está agora preparada para o fazer.

Agrada-lhe que, de repente, toda a gente na Europa esteja a favor de uma maior integração?

Claro, mas também estou ciente de que as experiências dos últimos anos não tornaram mais fácil a defesa de mais Europa. Ainda assim, não vou desistir. Eu sou um realista, razão pela qual sou incapaz de afirmar que só podemos salvar o euro se alterarmos os tratados. Poderemos de ter de passar sem isso. O que é essencial é que as regras sejam seguidas e aplicadas. Mas quando o fazemos, aí somos acusados de estabelecer um protetorado ou de abolir a democracia. Isso é tudo um disparate.

Nas últimas semanas, tornou-se evidente que o senhor e a chanceler nem sempre eram da mesma opinião a respeito da Grécia. Foi um jogo coordenado em que cada um representou um papel?

A chanceler e eu não nos envolvemos em jogos desses. Não é o estilo da chanceler nem o meu. Toda a gente tem as suas convicções. Durante a campanha eleitoral europeia de 1999, eu era o líder da União Democrática Cristã e a senhora Merkel era a minha secretária-geral. Tínhamos um cartaz que nos mostrava aos dois e dizia: "Nem sempre da mesma opinião, mas no mesmo caminho". Foi assim que se manteve até hoje, mesmo se os nossos papéis mudaram. Não precisam se preocupar com isso.

A coligação governamental teria um problema se a chanceler e o seu ministro mais importante tivessem opiniões divergentes sobre uma questão tão importante como a ajuda à Grécia.

Opiniões divergentes fazem parte da democracia. Nesses casos encontra-se uma solução em conjunto. Nesse processo, todos têm um papel a desempenhar. Angela Merkel é chanceler e eu sou ministro das Finanças. As responsabilidades dos políticos vêm dos cargos que desempenham. Ninguém pode coagi-los. Se alguém tentasse, eu poderia ir ter com o presidente e pedir para ser dispensado das minhas funções.

Está a pensar em fazê-lo?

Não. Onde é que foram buscar essa ideia?

O seu relacionamento com a chanceler alterou-se durante a crise?

A senhora Merkel e eu temos uma constante: nós sabemos que podemos confiar um no outro.

Senhor ministro, muito obrigado por esta entrevista.

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